Por Ariel Palacios
Buenos Aires foi definida pelo filósofo e escritor francês André Maurois, como “a capital de um império que nunca existiu”. Maurois referia-se – com um touch de ironia – ao aspecto “imperial” de várias áreas da capital da Argentina, país que nunca teve um império.
Esse ar de potência europeia perdida na América do Sul, como dizem também ironicamente os portenhos, por “um engano de Deus”, pode ser visto em várias caminhadas que podem ser feitas na cidade, que, por ser plana, permite longos passeios sem grande cansaço.
Um dos pontos de partida é a Casa Rosada, o palácio presidencial. Primeiro, contorne o palácio, descendo pela rua Hipólito Yrigoyen. Ao atravessar a rua verá o edifício do Ministério da Economia, cujo mármore da fachada mostra as marcas de metralhadoras do golpe de Estado de 1955.
As marcas foram deixadas como “depoimentos” da História de um país que viveu em turbulência ao longo dos últimos 200 anos.
Nos fundos da Casa Rosada está o monumental edifício Libertador, sede do Ministério da Defesa.
Ao olhar a Casa Rosada pela parte de atrás, verá que fachada dos fundos do palácio é mais imponente que a fachada da frente. Os arquitetos afirmam que deve-se à forma confusa como o palácio foi construído sobre as bases da fortaleza da cidade.
Apesar dos mitos, a parte de trás nunca foi projetada para ser o pórtico de entrada.
Outros mitos que circulam tem a ver com a cor da Casa Rosada. Existem três versões sobre a questão cromática:
– Uma indica que a cor provém de uma forma barata de pintar paredes no século XIX, ou seja, sangue de boi misturado com cal.
– A outra teoria afirma que foi a mistura das cores dos dois grupos políticos que protagonizaram sangrentas guerras civis nas primeiras décadas da independência, cujas cores eram o branco (os unitários) e o vermelho escuro (os federalistas).
Mas a realidade é mais prosaica: o cor de rosa era simplesmente a cor da moda entre os arquitetos de influência italiana no século XIX.
Volte para a porta principal da Casa Rosada e atravesse a Praça de Mayo. No centro da praça, às 15h30m às quintas-feiras, poderá observar a marcha das Mães da Praça de Mayo, que todas as semanas pedem o paradeiro dos corpos de seus filhos desaparecidos durante a última Ditadura. Elas caminham lentamente durante horas ao redor do monumento à Revolução de Mayo de 1810 (a revolução que deu início ao processo de independência argentina). Ou melhor, caminhavam ali, já que agora – em plena pandemia – seria uma loucura se expor aos eventuais contágios.
Indo para a avenida de Mayo, verá do lado direito a Catedral; do lado esquerdo, o Cabildo, a sede da administração colonial, que, por causa da burocracia espanhola, levou mais de um século e meio para terminar de ser construído e funcionar plenamente. Mas, poucos anos depois de ser terminado, os argentinos proclamaram a independência, e o edifício perdeu a utilidade.
Indo pela avenida verá, do lado direito, a antiga prefeitura portenha e ao lado, a antiga sede do jornal La Prensa, atual secretaria de cultura.
Se atravessar a rua, poderá observar que em cima do edifício há uma grande escultura em ferro forjado que representa a liberdade de imprensa.
Continuando a caminhada, passará pelo Café Tortoni, o mais antigo da cidade em funcionamento ininterrupto
Atravessando a avenida 9 de Julio, verá do lado esquerdo da avenida de Mayo o Hotel Castelar (que faliu durante a pandemia), onde residiu, durante um ano, o poeta espanhol Federico García Lorca.
Duas quadras depois, do lado direito, está a sede da DGI, a receita federal, que é o antigo Hotel Majestic, onde residiu durante um ano e meio o bailarino russo Nijinski.
Continue caminhando pela avenida de Mayo. Em seu penúltimo quarteirão, do lado esquerdo, está o “Pasaje Barolo”. Este foi o maior prédio de Buenos Aires durante uma década. Foi construído por um empresário italiano, Luigi Barolo, que “fez a América”, na época em que a Argentina prosperava de forma exuberante e parecia que seria uma potência mundial.
O prédio é uma delirante homenagem a Dante Alighieri. O empresário e seu arquiteto queriam trazer o corpo do renascentista poeta e enterrá-lo ali.
Barolo tinha seus escritórios no prédio (foi o maior fabricante têxtil do país durante um bom tempo). Hoje o prédio alberga pequenos escritórios.
Ao chegar à Praça do Congresso verá a estátua do Pensador de Rodin e o conjunto de esculturas do Congresso, na frente do prédio que reúne a Câmara de Deputados e o Senado.
Este é um primeiro passo para caminhar pelas ruas desta “capital de um império que nunca existiu”. Evidentemente, isto não é recomendável agora…e possivelmente tampouco durante todo o primeiro semestre de 2021. Uma coisa é apreciar o turismo e a estupenda arquitetura. Outra é ser negacionista da pandemia. Portanto, fica a dica de caminhar pela avenida de Mayo quando as populações de ambos países estiverem vacinadas.
** O jornalista brasileiro Ariel Palacios foi criado em Londrina. Formado na Universidade Estadual de Londrina (UEL), fez o Master do jornal El País. Ele está em Buenos Aires (Argentina) desde 1995. Ele é correspondente da Globonews para a América Latina e colunistas da Revista Época. É autor do livro “Os argentinos” (Editora Contexto, São Paulo)
Fotos:
https://turismo.buenosaires.gob.ar/br/otros-establecimientos/pra%C3%A7a-de-mayo
Edificio Barolo: http://www.voydeviaje.com.ar/argentina/palacio-barolo-uno-de-edificios-mas-emblematicos-y-misteriosos-de-buenos-aires
Os Argentinos – Ariel Palacios
Os brasileiros acham que conhecem bem os argentinos. Afinal, nós curtimos Buenos Aires, eles desfrutam de nossas praias e uns e outros praticam a língua comum, o portunhol. Desconfiamos de que ser argentino vai além de amar tango e churrasco, mas nem imaginamos que nossa rivalidade preferencial não é recíproca: eles detestam reconhecer, mas amam os brasileiros e preferem derrotar os ingleses à nossa seleção de futebol. Os argentinos já ganharam prêmios Nobel (nós ainda não), e o metrô de Buenos Aires, centenário, é prova de que já viveram dias melhores. Agora eles estão sempre ocupando as ruas e protestando. Seu sistema educacional e sua concentração na capital mostram um povo urbano, culto e politizado, mas a instabilidade pode ser percebida pela sucessão de líderes populistas entremeada de golpes militares. Para realmente desvendar esse povo que clama ter inventado o doce de leite e a caneta esferográfica e brilha no cinema e na literatura, o jornalista Ariel Palacios – correspondente brasileiro em Buenos Aires desde 1995 – elaborou este saboroso e imperdível “Os argentinos”.
Serviço:
R$69,90
https://www.editoracontexto.com.br/produto/os-argentinos/1496753
Wagner Donadio diz
Muito bom… Já visitei essa linda cidade.
Maristela Bonilha diz
Amei á matéria
Dayse Betania da Silva diz
Fantástico. É óbvio que deveríamos aprender espanhol na escola pública.
Victoria lins diz
Muito bom👏🏻👏🏻👏🏻
Ana Luísa Cintrq diz
Adorei!!! Muito interessante o relato feito por ele com perspicácia e riqueza de detalhes da capital Argentina nunca observados.Parabéns!!