Por Elisiê Peixoto
Saudade é uma palavra que não deveria existir. Ou melhor, saudade é um sentimento que não deveria existir. Mas também, se não sentíssemos, como poderíamos explicar esse turbilhão de emoções que se resume numa única palavra? E tem dias que ela “pega” de jeito. Mas a gente dá um tempo, toma fôlego e segue em frente. Como dizia a minha mãe: “Se deixou saudades é porque valeu a pena”.
Quando falo em saudade, não me refiro apenas ao relacionamento amoroso entre homem e mulher. Mas daquela que sentimos da nossa época de criança, talvez da adolescência. Quando os projetos eram tão audaciosos, quando pegar jabuticaba no pé era a brincadeira dos finais de tarde no quintal da casa da mãe. Ou quando relembramos a barriga grande que adorávamos mostrar na gravidez do primeiro filho. Quem sabe não é a saudade do primeiro beijo roubado, da primeira ousadia do namorado, quem sabe do primeiro ano de casamento quando o marido enviou doze ramalhetes de rosas durante o dia todo? Pode ser a saudade do quarto bagunçado do filho quando ainda morava com a família ou, quem sabe, das manhãs com o cheiro de café invadindo a casa quando todos se sentavam à mesa.
Saudade divide a vida. Eu não gosto de senti-la. Mas todo o mundo tem saudade. Lembro-me das amizades de infância que foram se distanciando, dos bancos escolares, e da vida tranquila que se resumia em estudar, comer e se divertir. Saudade da casa cheia de amigas, do pão de batata que a minha mãe preparava e servia para todas elas. Dos filhos bebês, quando dependiam de mãe e pai em tempo integral. Permaneciam debaixo das nossas asas.
Mas a pior saudade é aquela que não se dá jeito. Quando alguém parte pra sempre. A morte sempre será uma intrusa, porque rompe um ciclo, em muitos momentos bons de serem desfrutados. Meu pai brincava dizendo que há pessoas que são um desperdício morrer e que a vida, ao perder determinada pessoa, está sendo injusta com tudo e com todos.
Dias atrás passei de carro em frente a uma casa onde residi por muitos anos. Ela foi o cenário do meu namoro com o pai dos meus filhos, das festas de aniversário da adolescência, da época de faculdade, quando uma galera se reunia na sala de televisão para fazer os trabalhos das disciplinas. Foi lá também que aprendi a tirar e a guardar o carro na garagem, foi naquela casa em que ganhei o meu primeiro “aparelho de som” e “um quarto com papel de parede floral”, que eu tinha visto em um filme.
A varanda da minha casa dava exatamente para o muro do clube que eu frequentava, onde, muitas vezes, bastava um grito das amigas para eu atravessar a rua e passar os finais de semana torrando no sol. Como não recordar? Neste dia parei o carro, estacionei e desci. Tornou-se um estabelecimento comercial, mas pedi licença para entrar. Contei a minha história e o dono, educadamente, permitiu que eu entrasse. Não é mais a mesma casa, passou por reformas, mas os sentimentos vieram à tona e eu revi cenas que estavam guardadas na alma e no coração.
Tem uma definição de saudade, por Clarice Lispector, que é perfeita. Diz assim: “Saudade é um dos sentimentos mais urgentes que existem”. Pois é! Tem dias que dói mais, tem dias que dói menos. Às vezes desaparece por anos. Mas, na verdade, ela permanece quietinha num canto do coração esperando o momento de se manifestar.
Foto Pixabay
Tania Mara diz
Amei é bem isso que saudades faz com as pessoas 👏👏👏👏👏lindo texto .
Carla diz
Que texto lindo. Parabéns. Tocou meu coração.
Helena diz
Texto gostoso de ler,parabéns Elisie.
Saudades…. definição de sentimentos ou turbilhão de emoções… hora alegres ou tristes
Mais uma vez, parabéns!!! Bjs
Carlos Braga diz
Tem dias que a saudade “pega” muito…
Lair Aparecido Fiorillo diz
Muito bom o texto , gostei muito
Saudade , saudade como entender e compreender isto? Aa Saudade é uma estrada Longa… ( Almir Sater )
A Saudade é arrumar o quarto, do filho que já morreu ( Chico Buarque)