Eles atuaram no resgate das vítimas do rompimento da barragem de Brumadinho (MG).
Por Claudia Costa
Edição de texto: Mario Fragoso
O Corpo de Bombeiros é, provavelmente, a corporação da Polícia Militar que mais goza da simpatia da população. Os “soldados do fogo” são treinados para salvar vidas e, muitas vezes, enfrentam situações de grande perigo como incêndios, desabamentos com soterramentos, quando atuam resgatando as pessoas que estão em situação de risco.
O soldado do Corpo de Bombeiros do Paraná, João Carlos Alves Junior, 40 anos, com oito anos e sete meses de profissão, é um exemplo de profissional que não se acomodou e sempre buscou aperfeiçoamento profissional. “Meu objetivo sempre foi contribuir em prol da sociedade e poder deixar um legado. Meu sonho é um dia ser lembrado por ser um dos Bombeiros que mais salvou vidas com ajuda da minha parceira fiel, “Brida”, 5 anos (cachorra da raça pastor belga Malinois, treinada por ele para salvamentos). João Carlos e sua companheira de labor participaram do resgate dos corpos das vítimas do rompimento da barragem de Brumadinho (MG), ocorrido em 25 de janeiro de 2019. Este foi o maior acidente de trabalho no Brasil em perda de vidas humanas e o segundo maior desastre industrial do século. Foi, também, um dos maiores desastres ambientais da mineração do país, depois do rompimento de barragem em Mariana.
Resgate em Brumadinho
“Em março de 2019 fomos chamados para fazer parte da Equipe do Grupo de Operações de Socorro Tático do Corpo de Bombeiros do Paraná (GOST) na ocorrência de Brumadinho . Esse foi nosso primeiro trabalho reconhecido nacionalmente e, para nossa imensa gratidão, nos destacamos entre os 60 cães que trabalharam na missão. Após este trabalho, fomos chamados para diversas missões no Paraná e também agregamos em missões com a Policia Civil”, conta o bombeiro João Carlos.
Ele e sua fiel companheira de trabalho, estiveram em Brumadinho duas vezes. “Na primeira vez ficamos trabalhando lá 18 dias. Fazia um mês da catástrofe do rompimento da barragem. Voltamos e descansamos alguns dias e retornamos. Na segunda vez, trabalhamos mais 11 dias. Ao todo a “Brida” conseguiu identificar pontos e achar 18 segmentos de corpos e um corpo inteiro. É uma experiência muito triste, mas ao mesmo tempo muito satisfatória em ver que o nosso treinamento de busca de cadáver foi bem efetivo. Pudemos auxiliar aos Bombeiros de Minas Gerais e ajudar as famílias de Brumadinho, encontramos os corpos ou o que restou deles em meio a um mar de lama. Isto é importante para os familiares poderem se despedir e dar um funeral digno”, relembra o bombeiro. Segundo João Carlos, a localização dos corpos ou fragmentos dos corpos das vítimas é importante para as famílias colocarem um ponto final nessa tragédia e seguir em frente.
João Carlos e “Brida”não tiveram problemas de saúde, apesar do contato com a lama contaminada por minérios da barragem de Brumadinho. Ele explica que sua companheira de resgate ficava super feliz quando achava algum fragmento das vítimas. “A Brida era positivada com muitos brinquedos e festa. Ela associou que onde tinha um segmento havia também um brinquedo dela escondido. E toda ocorrência para ela seria uma grande brincadeira de esconde-esconde”, explica o bombeiro adestrador.
O trabalho com cães de busca
Após cursar em 2012 a Escola de Soldados, em Pato Branco, Sudoeste do Paraná, João Carlos começou a pesquisar sobre “drones” e como os bombeiros de outros países utilizavam essa ferramenta no trabalho. Ele até chegou a construir um protótipo do aparelho, mas arquivou o projeto depois que conheceu os cães de busca. “Em 2016 conheci o Anderson, bombeiro em Santa Catarina, que trabalha com esses animais. Ele me explicou como atuam e desempenham o trabalho com cães. Assim, percebi que poderia salvar mais vidas e ao mesmo tempo criar um laço afetivo para uma vida toda com os meus cachorros. Encontrei o sentido de tudo que sempre busquei dentro da minha profissão. Isto se tornou a minha filosofia de vida”, diz o soldado do Corpo de Bombeiros.
Seu aprendizado começou em 2016, quando fez um curso de Cinotecnia em Xanxerê (SC) no CRDU (Centro de Referência em Desastres Urbanos), sob o comando do Coronel Parizotto e sua equipe de especialistas. Eles são referência no Brasil no treinamento de Cães de busca. Cinotecnia é o conjunto de conhecimentos e técnicas relacionados à criação selecionada, manejo e treinamento de cães para tarefas específicas, como policial e militar em detecção de narcóticos e explosivos, rastreamento de pessoas, captura e imobilização de suspeitos, entre outras habilidades.
“Eu comecei a treinar a “Brida” com os conhecimentos que adquiri com o curso que fiz em Xanxerê. Também fiz outros cursos de adestramento “online” com o objetivo de certificá-la o mais rápido possível”, explica o bombeiro.
Em 2018 ele tentou pela primeira vez a Certificação na cidade de Três Barras (SC), mas infelizmente foi reprovado. ”Voltamos para casa bem tristes, mas motivados a treinar ainda mais, pois não desistiríamos do nosso objetivo. Então, no final do ano de 2018 conquistamos nossa primeira Certificação de Busca e Resgate na modalidade Rural no SENABOM (Seminário Nacional de Bombeiros). “Na semana seguinte voltamos pra Xanxerê e conseguimos certificar “Brida” internacionalmente em busca e resgate. Em março de 2019 fomos chamados para fazer parte da Equipe do GOST na ocorrência de Brumadinho.
Reconhecimento
O trabalho do bombeiro e sua fiel companheira no regate recebeu o reconhecimento do Estado do Paraná. “Recebemos várias medalhas e condecorações. Uma delas entregue pelo Governador do Paraná, Ratinho Junior, além de várias concedidas por Câmaras de Vereadores do Estado e Medalha de Defesa Civil pelo Corpo de Bombeiros, entre outras.”, conta o bombeiro feliz pelo reconhecimento.
Após a missão em Brumadinho, no auge do trabalho da “Brida” em busca e resgate, João Carlos optou por ter mais um cão para compor a equipe no trabalho de salvar vidas.
O “Acauã”, 2 anos, chegou para João Carlos através da adestradora Kelen, que doou o animal. Desde então, o cachorro tem passado pelos mesmos treinamentos que a “Brida” e participado de certificações. “Além de fazer parte da minha família e dos acionamentos de busca e salvamento”, ressalta.
Treinamento dos cães
João Carlos treinou os dois cães Para busca e resgate. Esse treinamento dura dois anos, em média, para o animal estar apto para participar de alguma missão. Podem trabalham até oito ano se não tiverem nenhuma intercorrência.
Segundo o bombeiro, os animais começam a ser treinados desde quando saem da barriga da mãe. “Fazendo dessensibilização de sons, toques, temperatura, etc… Tudo respeitando a formação fisiológica deles, para que os cães tenham menos probabilidade de terem problemas futuros com ambientes, barulhos ou sons. Depois, começamos a socialização com outros cães e pessoas não familiares. A partir dos seis meses, começam os treinamentos específicos de busca. Que basicamente são como uma brincadeira para o cão. A pessoa se esconde com o brinquedo dele, e quando o animal acha acaba ganhando um brinquedo. Utilizando assim um instinto natural dos cães, o de caçar”, salienta João Carlos.
Segundo ele, o mais difícil do treinamento é a parte de universalização dos figurantes. “Quando apresento para o cão, durante o treinamento, uma diversidade de pessoas para que o animal perceba que a “brincadeira” pode ser realizada por outros, independente de raça, cor, idade, etc. Nesta parte do treinamento sempre precisamos do apoio de voluntários, os quais preciso treinar, pois qualquer erro pode afetar o adestramento do cão”.
No treinamento são usados vários tipos de brinquedos como bolas, mordentes, cordas com nó, até mesmo paninhos. Esses objetos são ótimos para chamar a atenção do cão para querer brincar.
A família aumentou!
“Brida”, 5 anos, e Acauã, 2 anos, são pais da bela “Pepita”, de 10 meses. Os animais maiores fazem atividades físicas como caminhadas, corridas e natação. Eles comem uma ração balanceada e vão mensalmente ao veterinário. Todo o custo com os animais é do bombeiro João Carlos, que não recebe nenhuma remuneração pelo trabalho dos cães nos resgates que realizam.
O amor e a satisfação de trabalhar com seus cães é a grande recompensa que recebe. “Eles são uma mistura de filhos com parceiros de trabalho. O vínculo que temos é tão forte que podemos quase prever comportamentos um do outro. Com eles preenchi um espaço no meu coração que nem imaginei que existia. É uma mistura de emoção e espirito difícil de explicar, mas quando nos veem juntos as pessoas conseguem ver nos nossos olhares o que estou dizendo”, declara.
*** Fotos e videos: arquivo pessoal do soldado do corpo de bombeiroa João Carlos Alves Junior
Agradecimento: Vladmir Farias – Banner da capa
Elisiê Peixoto diz
Adorei conhecer a história desse do João Carlos e da Brida! Parabéns!
Cereja Matsubara diz
Que história linda de solidariedade e de calor humano!! Parabéns pela matéria Meninas !! ❤️❤️