Ele começou a estudar piano no Brasil aos 13 anos, já adulto foi para a Alemanha e para os Estados Unidos, onde fez seu doutorado e fixou residência. Atualmente Victor Cayres Mendonça é professor de música de câmera na Boston University, na Eastern Illinois University, e no New England Conservatory Preparatory School. O pianista brasileiro é sempre convidado para tocar com importantes orquestras. Para 2022 já estão agendadas apresentações Estados Unidos, Brasil, Taiwan, China, e Coreia do Sul. dentre outros.
Por Claudia Costa
Há 17 anos morando nos Estados Unidos, o pianista brasileiro Victor Cayres Mendonça, 40 anos, é casado com Heeyeon Chi, musicista e pianista, com quem tem um filho, Daniel, de 5 anos.
Natural de Brasília (DF), Victor reside em Boston-Massachusetts, nos Estados Unidos, onde cursou doutorado na Boston University School of Music. Aos 13 anos começou a estudar piano na Escola de Música de Piracicaba “Maestro Ernst Mahle”, depois fez bacharelado em música na Universidade de São Paulo – Escola de Comunicações e Artes. A partir daí, ganhou o mundo, tendo estudado na Alemanha (Hochschule für Musik em Karlsruhe), e nos Estados Unidos, New England Conservatory of Boston (Mestrado).
O amor pela música esta no sangue da família. Ele diz que em sua casa, a música sempre esteve presente. As irmãs Thaís e Ana Claudia, tocavam piano; seu pai, Louis Antônio Mendonça, toca trompete e sempre gostou muito de música, especialmente jazz. Desde criança ele escutava as gravações da Boston Pops regida por Arthur Fiedler. Sua mãe, Glória, aprecia muito as artes e tem um interesse especial por violão.Nesta entrevista ao Portal IDEIA DELAS o pianista Victor Cayres Mendonça fala sobre a escolha da profissão, seus ídolos, a sua rotina de trabalho, como é a sua vida como professor e concertista nos Estados Unidos.
Como é viver de música? Alguém te influenciou na escolha da profissão?
Em casa sempre ouvíamos de tudo um pouco: música popular, jazz, rock, e a música clássica sempre me fascinou. O caminho à música, então, aconteceu de forma natural. Decidi seguir a profissão quando, ainda adolescente, e antes de cursar o bacharelado em piano na USP, passei a sentir confiança na minha habilidade, desenvolvendo mais afinidade com o instrumento. De certa maneira, hoje penso que foi muito mais fácil escolher esta profissão, ainda novo, justamente por ter tido experiência como músico antes de ingressar no ensino superior. Muitos dos meus colegas de escola não tiveram o privilégio de optar por uma carreira com a qual já estivessem familiarizados. Trabalhar com música sempre me fez sentir feliz e determinado frente aos desafios do mercado artístico no Brasil, e a minha tendência sempre foi pensar menos nas dificuldades da profissão e mais nas possibilidades deste campo. Desde menino, ouço que a música clássica algum dia irá desaparecer e que as plateias irão gradualmente perder interesse por concertos…Bem, estou aqui nos meus 40 anos – e ha mais de 30 tocando piano – e acredito que a música clássica está longe de se extinguir. É necessário, sim, constante inovação nas formas como interagimos com a nossa arte e com o público.
É fundamental mantermos engajamento social e participação política para que leis de incentivo cultural estejam sempre em vigor e atualizadas para favorecer as atividades da nossa profissão. Como todo trabalho, a música exige muita dedicação, mas não me arrependo de estar trilhando esta trajetória. Ao fim do dia, às vezes, me pergunto: seria esse mesmo o meu caminho? A resposta é sempre “sim
Qual é a sua rotina de trabalho e como é viver de música nos Estados Unidos?
Minha vida nos EUA é muito ativa. Atualmente, sou professor de música de câmera (grupos menores que uma orquestra) na Boston University, professor e coordenador do departamento de piano da Eastern Illinois University, e professor de piano no New England Conservatory Preparatory School. Também sou co-diretor de um programa para jovens pianistas, chamado Boston University Tanglewood Institute Young Artists Piano Program, semelhante ao Festival de Música de Londrina ou de Campos de Jordão. Neste programa, que dura seis semanas entre julho e agosto e que atrai pianistas de várias partes dos EUA e do exterior, organizo masterclasses (aulas públicas de piano), aulas específicas sobre tópicos relevantes ao piano, mesa redonda com vários artistas convidados e recitais. Temos sempre convidados ilustres como os pianistas Emanuel Ax, Yefim Bronfman, e Jon Nakamatsu, entre outros. Nas duas Universidades onde atuo como professor, parte do meu trabalho envolve tocar em concertos e recitais com alunos e professores, o que significa que toda semana tenho uma quantidade enorme de repertório para aprender em pouco tempo. Paralelo às atividades curriculares, estou sempre sendo convidado para julgar concursos de piano em diversos estados e apresentar masterclasses e concertos em outras universidades e instituições, o que gera oportunidades valiosas de se conhecer alunos e professores atuantes na música, compartilhar conhecimento e atualizar meus métodos de ensino. Além de tudo isso, tento sempre achar tempo para estudar para concertos futuros. Neste ano, por exemplo, tive recitais na Harvard University, concertos como solista com quatro orquestras diferentes nos estados de Illinois e Massachusetts, e já tenho recebido propostas de concertos e masterclasses para o ano que vem nos Estados Unidos, Brasil, Taiwan, China, e Coreia do Sul. Para se ter uma ideia da quantidade de trabalho e estudo que tenho de realizar, para cada recital/concerto que exija obras inéditas no meu repertório, preciso de 3 a 6 meses de preparo. Às vezes toco obras repetidas, já aprendidas, mas, dependendo da dificuldade, preciso dos mesmos 3-6 meses de preparo em retomar essas obras.
Quase sempre tenho concertos muito próximos um do outro que exigem um alto nível de preparo, porque nunca se sabe o que pode acontecer no dia do concerto: uma noite mal dormida, indisposição, dor no braço ou na mão, stress, cansaço, poucos ensaios com outros músicos (ou nenhum ensaio!), pouco ou nenhum acesso à sala de concerto antes de o programa começar e tantas outras dificuldades. Para a plateia, nada disso importa, pois, na hora do concerto, estamos ali para compartilhar um momento musical único, exclusivo, que não se repetirá, e nosso treinamento serve para que possamos presentear a plateia com o nosso mais alto nível.
Quais são suas referências musicais e os estilos musicais que curte?
Meus ídolos são Nelson Freire, que tão precocemente faleceu recentemente, Martha Argerich (pianista argentina, contemporânea de Freire), e meus professores no Brasil, Eduardo Monteiro, Gilberto Tinetti, Roselys Alleoni, e Abigail Krahenbul. Sou fã também dos meus colegas de profissão, tanto no piano como em outros instrumentos. Admiro o trabalho que a minha geração vem fazendo no Brasil e no exterior: ideias novas, trabalho sério e dedicado, gravações de qualidade, e muita pesquisa importante esta acontecendo atualmente. Sinto orgulho de ser brasileiro e contar com tantos colegas de profissão brilhando em instituições de ensino, no Brasil e exterior, e nos palcos de concerto pelo mundo afora. Fora música clássica, ouço muito rock e, às vezes, música popular brasileira e americana. Há muitos compositores de música popular que são tão talentosos como os que eu admiro na música clássica. É um exercício interessante para mim, estar a par das produções atuais de música popular, pois sempre há o que aprender com outros estilos.
Quais as principais orquestras com as quais você já tocou?
Boston Pops, Brno Philharmonic na República Tcheca, Orquestre des Jeunes de Fribourg na Suíça, Chamber Orchestra of New York, com a qual toquei pela primeira vez como solista no Carnegie Hall, Orquestra Sinfônica Brasileira, Orquestra da Universidade de São Paulo, Orquestra Petrobras Sinfônica, Orquestra Sinfônica da Escola de Música de Piracicaba Maestro Ernst Mahle, dentre outras.
Você e a sua esposa, a pianista e musicista Heeyeon Chi, tocam juntos?
Sim. Nos conhecemos em 2007 no New England Conservatory em Boston, quando éramos alunos de mestrado em piano. Nos casamos em 2011 e temos um filho de 5 anos, Daniel. Tocamos bastante juntos, repertório para piano a 4 mãos e para dois pianos. Recentemente, apresentamos o concerto para dois pianos de Mozart com orquestras em Boston, Charleston (no estado de Illinois), e na Suíça. Quando tocamos juntos, tentamos separar o lado marido-e-mulher e tentamos nos concentrar na música, mas nem sempre saímos ilesos da situação (risos).
Você já trabalhou como músico no Brasil? Pensa em vir morar no país?
Trabalhei pouco no Brasil, porque era ainda estudante. Comecei a trabalhar mais seriamente depois que concluí meu doutorado, apesar de sempre ter achado emprego como professor particular de piano, acompanhador de coro ou orquestra, ou como músico de câmera. Não temos planos ainda de morar no Brasil, apesar da saudade imensa. Sempre que pensamos a respeito, surge uma nova oportunidade de ficar nos EUA. Aqui, quem produz alguma coisa sempre tem importantes incentivos para continuar. Cada projeto novo nos abre outras portas, outras conexões, por exemplo: um convite para protagonizar num concerto pode surgir por causa de um outro concerto nosso a que alguém já assistira anteriormente.
O que gosta de fazer nas horas de lazer?
Viajar, assistir à filmes, cozinhar e ler. Curiosamente, procuro não ouvir música nas minhas horas de lazer. Justamente por ser minha profissão, música significa trabalho, então às vezes gosto de desconectar-me dela. Adoro tirar férias do piano e voltar a “ele” com o espírito revigorado.
Por sua vivência, qual país tem mais tradição na música clássica?
Em geral, os países europeus têm uma tradição mais natural com a música clássica, muito parecida com a relação que temos com a nossa música popular. Nas grandes metrópoles, há sempre as orquestras famosas que atraem músicos de estatura internacional, patrocinadores e muito prestígio. Felizmente, isso também acontece em muitas cidades grandes brasileiras, que, também, têm suas orquestras-vitrine, mas acho que a principal diferença entre o Brasil e os países europeus é que, na Europa, uma grande parte da população aprecia música clássica tanto em glamorosas salas de concertos como em locais mais simples. É muito comum, em várias cidades pequenas europeias, poder-se assistir a algo do tipo “concertos do meio-dia” ou “concertos ao fim da tarde”, que duram entre 30-45 minutos de música ao vivo, durante a semana, nada pretensioso ou formal, no intervalo do almoço ou do trabalho. Às vezes acontecem em igrejas pequenas, bibliotecas, ao ar livre, num café, enfim, lugares de fácil acesso à população, sem muito mistério e sem a atmosfera de sofisticação que se encontra muitas vezes em grandes salas de concerto. Esses eventos mais simples são tão importantes que, segundo relatos históricos, durante a Primeira e Segunda guerras mundiais a população procurou sempre manter esse hábito, fato observado inclusive entre prisioneiros de guerra.
Um outro fenômeno europeu observado nos séculos 18 e 19 está aos poucos voltando à moda tanto nos Estados Unidos como no Brasil: música em casa. Há um grupo chamado Groupmuse, fundado em Boston em 2013, que organiza concertos em casa, e você pode oferecer tanto o seu talento aos concertos como a sua própria casa para os eventos do grupo. Há um público cativo em várias cidades americanas sempre à espera do próximo concerto, e o endereço da casa só é revelado no dia do concerto para quem se inscreveu com antecedência. Estive envolvido com esta organização em seus primeiros anos, pois um dos idealizadores é um grande amigo meu, pianista brasileiro fenomenal, Cristian Budu. Este é um modelo de consumo que quebra muitas barreiras entre a música clássica e o público, pois temos oportunidade de estar perto dos músicos, conversar com eles diretamente, o que é uma maneira menos formal de apreciação e mais aproximada da música popular. Há alguns anos atrás, tive o privilégio de viver esta experiência, em Londrina, tocando para uma seleta plateia na residência da pianista Irina Ratcheva e seu marido, o violinista Evgueni Ratchev.
Aqui, em Chicago, há um programa de concertos moldado neste princípio do simples e acessível. Fundada em 1976, a série Dame Myra Hess Memorial Concerts, da qual participei alguns anos atrás, promove concertos de 30 minutos toda quarta-feira ao meio-dia, com livre acesso: vem quem quer, vestido como quiser, e quem não pode vir tem ainda a chance de ouvir o concerto transmitido ao vivo no radio. Posso estar enganado, mas acredito ser um caso raro no Estados Unidos que, como o Brasil, ainda usa uma fórmula de consumo da música clássica ainda um pouco associada a ambientes formais, o que prejudica um pouco o nosso vínculo com ela, principalmente, quando pensamos nas crianças. Mesmo em organizações como a Boston Pops, que adota um ambiente descontraído, parecido com concertos de jazz, onde se pode consumir bebidas alcoólicas durante a apresentação, há ainda dificuldades de acesso, como ingressos caros, o que dificulta a frequência.
Uma outra dificuldade para músicos e produtores é a seleção de música nos programas de concerto. Gostamos de programar obras que nos interessam e que achamos que irão ser bem recebidas, mas é preciso estar sempre atento à reação do público, pois parte do trabalho de programação de uma boa série de concerto é justamente achar um equilíbrio entre o que o músico quer tocar e o que o público quer ouvir. Ambos têm de sair satisfeitos, mas nem sempre é fácil. Sobre este ponto, tive uma experiência muito interessante na Rússia, no conservatório Tchaikovsky em Moscou. O diretor da série de concertos e eu nos correspondemos bastante a respeito do meu programa que, aliás, era composto só de obras para piano de Villa Lobos. Ele se deu ao trabalho de pesquisar e ouvir tudo o que eu havia sugerido, recomendou uma substituição e algumas mudanças na ordem de certas obras no programa e foi muito mais além: durante o concerto ele intercalou uma obra e outra com informações sobre Villa Lobos e detalhes históricos de cada obra. Foi impressionante o respeito que ele teve com o público, preparando um concerto que fosse bem entendido, e bem sucedido. Eu, como brasileiro, senti-me muito honrado com tanto carinho e cuidado dedicados à nossa música.
Fotos e vídeo: arquivo pessoal de Victor Cayres Mendonça
Marli diz
Muito interessante essa reportagem que nos dá uma outra abertura para conhecer melhor o lado profissional do nosso sobrinho Victor, Sucesso sempre!
Glória Mendonça diz
Cláudia, parabéns pelo brilhante trabalho! Muito gratos por contemplar, em entrevista, o pianista Victor Cayres de Mendonça, nosso filho! Abraço. (Louis e Glória)
Lia Mendonça diz
Amei a matéria Cláudia Costa!
Está tão completa que nos, da família, desconhecíamos muitos capítulos desta trajetória do pianista Victor Cayres Mendonca!
Parabéns pela reportagem e aplausos para o Portal Ideiadelas!
Eliana Ap G M Fantinati diz
Excelente artigo! Muito bom conhecer o talento e trabalho desse jovem brilhante!
Parabéns pela matéria!
Lúcia Coltro diz
Adorei a reportagem!!
Conheço o Vitor , através da Mãe dele, minha amiga querida!!
Mas com sua reportagem,foi possivel conhecê-lo melhor!!!!
Que talento!!!
Parabéns pela reportagem!
Sucesso para o Vitor e orgulho para a Glória e o Louis !!!!
Leonice Camarani diz
Matéria de alto quilate. Parabéns Claudia Costa. Emocionada em conhecer um pouco a trajetória musical de Victor Cayres Mendonça. Magnifica representação do Brasil em palcos internacionais Parabens aos pais Louis e Glorinha e à incentivadora e tia Lia Mendonça. Que Deus abençoe sempre essas mãos.
ARLI RAMOS DE OLIVEIRA diz
Família querida e que residiu em Uraí, norte do Paraná! Sucesso, Vitor!…
Heeyeon Chi diz
Beautiful interview! Thank you, Claudia Costa!!!
Rosa Elisa Piola diz
Parabéns pela brilhante entrevista… Vou Escobar agora… são meus primos talentosos por demais! Parabéns Glória e Louis! Parabéns å esposa e so Danie!! Sou fã de carteirinha! Amo! Saudades! Bj
Irina Ratcheva diz
Claudia , parabéns pela iniciativa de fazer e publicar esta entrevista . Fico muito feliz que o menino que eu conheci quando cheguei em Londrina , hoje está fazendo uma brilhante careira . Eu tenho contato com ele e faz mais de dois anos que estamos pensando junto organizar alguns concertos aqui em Londrina . Espero que a próxima vinda dele no Brasil vamos poder ouvi lo !
Um abraço para vc e Ano Novo cheio de luz e saúde !
Irina Ratcheva
Claudia Costa diz
Abraço Irina, felicidades!!!
Irina Ratcheva diz
Meu e mail certo
palcosmusicais@gmail.com
Maria Isabel Dias diz
Parabéns a este jovem e esposa com grande talento ,música faz bem a todos ,família Londrinense fazendo sucesso no mundo ,reportagem maravilhosa