Por Elisiê Peixoto
Perdi minha avó materna seis meses antes de me casar. Ela tinha 60 anos e morreu por causa de uma angina. Minha avó era muito bonita, alegre, dona de olhos verdes expressivos. Participava da minha vida, me aconselhava, me apoiava e sempre estava conosco. Ela era uma mulher positiva e eu adorava conversar e escutar suas histórias da mocidade. Quando morreu, deu vontade de parar todos os preparativos do casamento, mas meu avô incentivou-me a continuar, porque aquela seria a vontade da dona Izabel, que até o vestido já havia comprado para o enlace. E até hoje, quando sinto o aroma de Seiva de Alfazema, é dela que me lembro. Seu cabelo, suas roupas, tudo tinha esse perfume…
Enfim, me casei com aquela sensação de perda, porque era a primeira pessoa de meu convívio que morria, alguém que participava intensamente da minha vida. E aquilo despertou em mim o medo de perder meus pais. Eu achava que isso iria acontecer quando eles estivessem bem velhinhos e que seria algo muito distante. Até que perdi minha mãe, aos 63 anos, e meu pai, aos 81 anos. E afirmo, com todo o meu coração: é muito difícil ficar sem mãe e pai. A gente dá valor, mas nunca igual, quando não os temos perto fisicamente. Durante muito tempo eu ainda acordava pensando em ligar para a minha mãe, hábito de uma vida inteira.
Sabe aquele sentimento de saudade que não tem como preencher? Perder mãe e pai é como perder o norte, o sul, a direção. Todas as vezes que tenho que tomar uma decisão importante, penso na falta que eles me fazem. Por mais que você tenha filhos bons e um companheiro bacana, ainda assim é muito triste você não poder contar mais com seus pais. Às vezes, um único telefonema deles bastava para me dar segurança. É isso, a gente fica insegura, achando que a vida vai aprontar alguma porque eles não estão por perto.
Costumo dizer que existem cheiros inesquecíveis, que nos remetem àquelas pessoas que já partiram das nossas vidas. Eu tenho um, você deve ter os seus. E, na falta dos meus pais, tenho sentido também a falta dos cheiros que lhes eram peculiares. Deve ser porque a minha mãe era uma mulher cheirosa. Tenho algumas roupas dela que estão no meu armário e que exalam seu perfume. Dá para acreditar? Incrível isso, depois de anos, o perfume dela está lá. Recordo-me do cheiro do refogado que ela fazia – alho, cebola, tomate – quando preparava aquele bife de panela preso com palitinho e purê de batata com bacon por cima, bem frito, do jeito que eu amava. Eu chegava do colégio quase na hora do almoço e ia me sentando à mesa morta de fome. E tinha que levantar toda vez para lavar as mãos.
Lembro-me do cheiro de Hipoglós misturado com vitamina A e óleo de amêndoas que minha mãe passava no rosto todas as manhãs e que lhe renderam elogios durante anos a fio. Dona Norma tinha a pele sem manchas, clarinha e bonita. Ah… e o cheiro do pão de batata que ela assava no finalzinho da tarde, servido com o café coado na hora? Eu e as minhas amigas comíamos sentadas na mesa da copa, aos risos e gargalhadas, falando dos namorados e de um futuro, para nós, ainda distante e cheio de fantasias. A adolescência tem isso de bom. Imaginamos uma vida plena, sem problemas e feliz.
Associo o cheiro do churrasco ao meu pai. Ele adorava. Toda vez que fazíamos um em casa, eu o convidava. Ele ficava conversando com os maridos das minhas amigas e contando as histórias da sua vida em Ubá, Minas Gerais. E falava muito. Contava piadas. Era uma presença sempre requisitada. Meu pai era bem-humorado. E foi um ótimo avô. Quanto fez pelos seus dois únicos netos, Roberta e Fernando. Fez muito, eles sabem disso e estou sempre ressaltando.
Outro cheiro que faz lembrar meu pai é o de jabuticaba. Eu era criança e costumava acompanhá-lo no clube, onde tinha pés e pés de jabuticaba. Ele se encontrava com os amigos e eu chupava aquele tanto, chegando a ficar com a boca roxa. Mas que cheiro bom aquilo tem. Outro dia me ofereceram um licor de jabuticaba e, ao sentir o aroma, aquilo me apertou o coração.
E tem um cheiro que só mulher conhece. Minha mãe falava desse cheirinho toda vez que pegava os netos ainda bebês no colo. É aquele que nós, mães, sentimos quando enxugamos nossos filhotes. A cada banho na Roberta e no Fernando, eu sentia aquele “cheirinho de filho”. É quando a gente passa o talco Johnson, bota o nariz no pescoço deles e exclama: que bebê gostoso! Isso vai me acompanhar pelo resto da vida e irá se repetir com os meus netos.
Existem cheiros que você, em qualquer parte do mundo, ao senti-los vai se recordar de algo. Eu adoro o cheiro de frutas cítricas. Tenho uma coleção de colônias. Era o cheiro que eu deixava na casa dos meus pais. Minha mãe falava: “Elisiê, de longe sei que você está chegando. E quando você vai embora, continua por aqui…”. Então, toda vez que passo uma fragrância fresca, sinto como se a minha mãe estivesse ali. Esse cheiro nos uniu para sempre.
Roberta Peixoto diz
Nossa mamis que verdade! Lembro-me do cheirinho da Vó Norma dessa misturinha que ela sempre passava no rosto! Do vô não me lembro muito, mas com certeza a falta de ambos é inexplicável! Não imagina minha vida sem vc e o meu pai, nada faria mais sentido! Vcs são meu tesouro! Amooo muito! Linda crônica como sempre! Saudades!!! 😚😙😚😙❤❤❤❤❤
KATIA R TIVIROLLI diz
Nossa, esse texto mexeu muito comigo! Ainda ontem estava a pensar que sinto saudades quando todas as irmãs (4 mulheres e 1 homem) éramos crianças e morávamos todos juntos…
A casa era sempre barulhenta, cheia de sons de risada, gritinhos e até brigas porque alguma irmã havia pegado uma roupa da outra!!! Ah, que tempo bom!
Aos domingos minha mãe fazia a tradicional macarronada com frango e sentávamos todos a mesa desfrutando da refeição e dos muitos assuntos que eram comentados todos ao mesmo tempo (coisa de família italiana)!
Tempos que só existem agora na minha memória. E sim, Elisiê, como você também sinto o mesmo medo de perder meus pais, que graças ao bom Deus estão vivos! Sei que este dia vai chegar, mas repito incessantemente a Deus em minha orações, que este dia demore muiiiitoo!
Um beijo
Daniela Camargo diz
Que texto lindo!! Quero que um dia meus filhos e netos se lembrem de mim pelos bons aromas que deixei impregnados na memória deles, aromas de comida, aromas de amor…
Evaldir Bordin Filho diz
Elisie , estava sentindo falta de ler suas crônicas. Escrita com tanto sentimento e clareza que nem sinto o tempo passar. Sempre fui seu fã desde quando escrevia suas crônicas na coluna “Cá pra nós ” da Folha de Londrina . Sinto falta de um livro de crônicas escrito por vc. Agora mato a vontade lendo aqui . Um beijao
Sandra Piazzalunga diz
Minha amiga, que texto lindo!💗Me emocionei aqui lembrando, com muito carinho, dos seus pais e avós!!💗Tia Norma, linnnda, sempre perfumada! Dona de uma alegria contagiante ! Parabéns por esse dom lindo q Deus te deu de nos contar histórias de uma maneira tão gostosa!!! 👋👋
Maria Amélia Solci diz
Elisiê querida. Voltei no tempo e me emocionei. Saudade da rua Santos. Seus pais ali sentados com meus pais na varanda. Dona Izabel, sim, divertida com lindos olhos verdes, Seu Cleide , uma delícia com seu sotaque. Talvez seja daí que eu sinta saudade de Minas apesar de nunca ter estado por lá. E Dona Norma, que linda ! ela era o máximo. Uma mulher a frente do seu tempo Me ensinou os acordes de Apelo “- ah meu amor não vá embora, vê a vida como chora…..e me encantou quando fez minha primeira maquiagem. Tenho certeza que fiquei linda. E te vejo querida, sempre, ainda menina. Menina que não perde o encanto pela vida ! Muitos cheiros para você!