Por Claudia Costa
Marco Antônio Fabiani, Matheus William Migotto e Agnes Nagashima atuam em áreas distintas, mas possuem algo em comum: o amor pelas letras. Os três são profissionais bem-sucedidos em suas áreas de trabalho, porém têm ”os dois pés” fincados na literatura. Eles também são escritores. Fabiani é médico cardiologista, Agnes é biotecnóloga, e Matheus, engenheiro elétrico. Ele largou uma carreira de nove anos na Copel para correr atrás do seu sonho: ser escritor. O amor à leitura se aprende em casa. Os três ressaltam que o estímulo dos pais foi fundamental para que eles gostassem de ler e, consequentemente, começassem a escrever.
“Quem lê nunca está sozinho”
Marco Antônio Fabiani, 65 anos, médico cardiologista, é casado com a advogada Denise Packer Fabiani com quem tem dois filhos Lucas (empresário) e André (advogado). Ele é natural de Ribeirão Claro, cidade localizada no Norte Pioneiro do Paraná. Em 1971, com apenas 14 anos, Marcão como é conhecido pelos amigos por causa da sua altura, tem 1,84 metros, mudou-se para Londrina para estudar e aqui construiu sua história de vida. Cursou medicina na UEL, constituiu sua família na cidade, onde possui uma infinidade de amigos e pacientes.
Ele é filho do casal Irene e Aldo Fabiani. Segundo Marco Antônio, o seu amor pela literatura herdou do pai Aldo, guarda-livros (contador), que possuía uma bela biblioteca. “Quando moleque eu era um perna-de-pau nos esportes, então, eu adorava ler as coleções de livros do meu pai”, diz.
Fabiani é um médico cardiologista conceituado em Londrina, muito admirado e querido por seus pacientes e amigos, não somente por sua competência profissional, mas também por sua sensibilidade, sapiência/ conhecimento e por seus textos. Ele explica que escreve desde a época da Universidade, mas que somente aos 47 anos publicou seu primeiro livro. Desde muito jovem Marcão conviveu com jornalistas, chegou a publicar alguns textos no Jornal “Poeira” produzido pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Estadual de Londrina,. Este jornal protagonizou o principal movimento social do estado do Paraná, na luta de resistência contra a ditadura militar de 1964, tendo como elemento de divulgação e organização o jornal Levanta, sacode a POEIRA e dá a volta por cima.
“O verbo ler não se conjuga no imperativo. Sempre em forma de convite”
“A literatura não tem fronteiras, quando lemos nós viajamos. Ela dá uma amplitude para a nossa visão de mundo, ao mesmo tempo que ela ajuda a redescobrir o nosso cotidiano. Aquilo que não percebemos no dia a dia a literatura ilumina para nós leitores”.
Marco Antônio Fabiani é admirador dos grandes autores brasileiros como Guimarães Rosa, Machado de Assis, Graciliano Ramos. “Eles nos ensinam a ver o Brasil. O livro “Grande Sertão Veredas” de Guimarães Rosa, por exemplo, nos ensina o que o cotidiano não mostra. Já o escritor Machado de Assis em seus textos revela como era a vida no Brasil na época do Império, o que nem sempre os livros de história demostram”, salienta.
Ele diz que não se adaptou ao ebook (livro virtual) para a literatura e que somente consome este tipo de leitura para assuntos técnicos e de medicina. “Eu sinto prazer táctil em folhear o papel, um livro, voltar a página”, diz.
Marco Antônio Fabiani é autor de cinco livros: os contos “Trilhas do fogo”(2004),”Contos de pau e pedra” (2005),”Histórias de um norte tão velho”(2009) e os romances “A memória é um pássaro sem luz”(2013) “Um Bourbon para Faulkner ” (2018). E já está no prelo o romance “O lugar das cinzas”, será lançado dia 14 de maio.
Diariamente Marco Antônio tira um tempo, mesmo que seja 10 minutos, para ler um texto. Nesta entrevista, o médico-escritor conta que quando produz algum texto o envia para amigos que admira e respeita para darem sua opinião, dentre eles, o editor Marcos Losnak, a Chris Vianna, José Maschio ”.
Além dos autores brasileiros, Fabiani diz que sempre lê os autores universais como os russos Anton Tchékhov, Fiódor Mikhailovitch Dostoiévsk e o William Cuthbert Faulkner, escritor norte-americano, considerado um dos maiores romancistas do século XX.
A poesia pode ser um instrumento de crítica social
Matheus Willian Migotto, 34 anos, engenheiro eletricista pela Universidade Estadual de Londrina, com especialização na área de Proteção de Sistemas Elétricos e MBA em Gestão. Trabalhou como engenheiro durante 10 anos, sendo nove anos na Companhia Paranaense de Energia (Copel), onde estava construindo uma bela carreira. O que para muitos é um sonho, ter um emprego público, estabilidade e um bom salário, para o rapaz não era suficiente. Estava faltando algo na vida de Matheus que resolveu desligar-se da empresa há dois anos. “Não me fazia feliz”, diz. Em 2021 ele resolveu empreender no ramo alimentício com um amigo, o também engenheiro Lucas Fioravante, para ter mais tempo para dedicar-se à literatura. Hoje é sócio da empresa “Mirante Alquimias Gustativas”, que iniciou suas operações produzindo Azeite Defumado.
Se para a maioria das pessoas largar um “empregão” é algo impensável, imagina para os pais do Matheus que é filho único de Cleide e João Claudio, ambos aposentados. Seu pai trabalhou como arte-finalista em uma gráfica e como porteiro. A maior preocupação da família é com o bem-estar e sustento do filho, porém confiam na competência do rapaz.
Matheus conta que foi alfabetizado pelo próprio pai seo João que sempre gostou de ler sobre os mais diversos assuntos, desde história até ufologia. Foi com ele que aprendeu também a usar os programas de computador que usa para escrever e diagramar seus poemas. Na juventude, Matheus gostava de literatura policial, como a produzida pela escritora britânica Agatha Christie, e de clássicos como Frankenstein, de Mary Shelley, e O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde
Dentre os escritores que Matheus admira e se inspira estão: Arnaldo Antunes (cantor e compositor), Guimarães Rosa, Augusto de Campos (poeta, tradutor, ensaísta e crítico de literatura e música) e Paulo Leminski (poeta, escritor, tradutor e professor brasileiro), que fez uma poesia sem compromisso, sendo conhecido como um dos “poetas marginais” da década de 80, junto com Cacaso, Chacal, Waly Salomão. Leminski também foi um grande divulgador do haicai aqui no Brasil e deu bastante liberdade à forma. Essa característica, de liberdade à forma, presenciamos na literatura produzida por Matheus Migotto. Ele é autor do livro “Menos [E] Elevado a [I] [PI]”, título que mais se parece com uma fórmula matemática, mas é um livro de poemas – quase concretos. Ele bancou a publicação do livro com recursos próprios. Atualmente trabalha em seu segundo livro de poemas, já com nome definido “Meio, de Zero a Infinito” e também em um projeto de haicais.
O rapaz também é mestrando no programa de Estudos Literários da UEL, onde estuda a poesia de Augusto de Campos, e graduando em Letras pela Unicesumar. Ele participou do curso “Escrita Criativa”, da UEL, com o professor Flávio Luis Freire Rodrigues. Trabalhar com literatura e docência são os objetivos do jovem escritor. “A literatura nos ajuda a fazer uma reflexão sobre o mundo”, salienta ele que trabalha em seus textos à noite e nos finais de semana. O escritor Matheus Migotto acredita que a poesia tem a capacidade ded gerar reflexão. “Ela pode ser um instrumento de crítica social. Como dizia Paulo Leminksi: ‘a poesia é um inutensílio’, portanto ela está alheia à essa lógica do mercado, de consumo. Assim, se ela não tem utilidade senão em si mesma, o que podemos fazer com ela? Muita coisa, incluindo uma reflexão crítica sobre nossa sociedade”, conclui o jovem escritor.
Ela reproduz com o filho o incentivo à leitura que recebeu dos pais
A biotecnóloga-escritora Agnes Nagashima, 39 anos, casada , é mãe de um belo garotinho, o Matheus, de 4 anos. Ela trabalha na Embrapa Londrina e já ganhou vários concursos de contos e crônicas. Dentre crônica, contos e poesia, possui mais de 40 publicações. Ela é graduada em biotecnologia, com mestrado em Ciências de Alimentos, e possui especialização em genética e em biotecnologia.
Seu contato com as letras começou na infância em Maringá (PR), através do incentivo dos seus pais, a mãe Michiko (dona de casa) e o pai Getúlio (Agrônomo). Ela conta que eles a levavam à Biblioteca Municipal e que virou uma frequentadora assídua do local, “Eu acabei ganhando um prêmio por ser a criança que mais retirava livros na instituição”, relembra Agnes que ganhou como prêmio um troféu e um curso de inglês. Ela diz que também estimula o filho a gostar de ler. “Eu também levo o Matheus à biblioteca pública e na biblioteca do Sesc Londrina Cadeião. Todas as noites eu leio para o meu filho. Além disso, também o presenteamos com livro”.
Dentre os autores que Agnes Nagashima mais gosta estão José Roberto Torero (ela tem todos os livros do escritor), Pedro Bandeira e Lygia Fagundes Telles. A sua admiração pelos escritores é tão grande que acabou ficando amigas dele. “ O Pedro Bandeira mandou uma coleção dos seus livros para o Matheus e o Torero diz que eu sou sua melhor “marqueteira”, pois sempre divulgo sobre seus livros”, explica ela.
Agnes relata que na adolescência escrevia poesia, mas que não mostrava seus escritos para ninguém. “Tudo mudou quando no ensino médio mostrei meus textos para a professora Célia. Ela me incentivou à continuar escrevendo”, diz a tímida Agnes. Em 2019, a escritora participou na UEL do curso “Escrita Criativa”, ministrado pelo Flávio Luis Freire Rodrigues, a partir daí começou a participar de concursos.
A biotecnóloga diz que fica muito feliz quando tem reconhecimento dos seus textos. Ela conquistou o Primeiro lugar em trovas no Concurso Nacional de Trovas da Academia Capixaba de Letras e Artes de Poetas Trovadores; o Terceiro lugar em contos no 33º Concurso Nacional de Contos de Araçatuba ( foram 610 inscritos neste concurso) e o Terceiro lugar em contos no 4º. Concurso de Contos e Crônicas de Ourinhos. Ela explica que o seu processo criativo está relacionado com alguma cena que a inspira. “Eu anoto e depois desenvolvo o texto”, diz.
Escrita Criativa: aprendendo a produzir texto literário
O projeto de extensão “Laboratório de Escrita Criativa”, coordenado pelo professor Flávio Luis Freire Rodrigues, do Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas, do Centro de Letras e Ciências Humanas (CCH),tem contribuído muito para melhorar o processo de escrita do texto literário. Segundo o professor, o objetivo é mostrar que escrever não é dom, mas a reunião de um conjunto de técnicas que auxiliam nos desafios da escrita, neste caso, em específico, da escrita literária. Além de reflexões teóricas, o curso prevê aulas práticas com leituras e produções escritas, as quais serão discutidas e reescritas, a partir de diversas técnicas da Escrita Criativa.
Professor Flávio a quem é direcionado este curso?
O curso é direcionado, principalmente, a quem gosta de escrever e quer entender como funciona uma escrita literária. Normalmente são pessoas que escrevem sem muita noção do texto literário.
É possível aprender a escrever?
Todo mundo escreve ou pode escrever. O foco do curso é pensar num viés da escrita para o outro. Não escrevo para mim, nem para amigos. Escrever para pessoas desconhecidas que podem ser ou não leitores críticos.
Qual é o perfil dos seus alunos?
Embora eu seja professor de Letras, e este projeto esteja vinculado ao curso como extensão, a maior parte dos alunos não é de Letras, mas de outros cursos e de fora da UEL. Tivemos alunos que vieram em busca de continuação depois que realizamos uma oficina anterior de um semestre na Biblioteca Pública de Londrina. Aliás, realizamos duas, uma de conto e outra de poesia.
Já teve algum aluno que se destacou e virou autor conhecido?
Do grupo inicial da oficina, restaram alguns participantes que decidiram espontaneamente manter um vínculo e reuniões para produzir e discutir seus textos. Desse grupo, o Contopeia, há várias publicações e premiações, inclusive. A Agnes é recordista de publicar e ganhar prêmios.
Qual a importância da Leitura para quem deseja escrever bem?
Ler é o ponto de partida. E a ideia é ler com cuidado e crítica bons textos. Stephen King diz que os textos ruins nos ensinam melhor que os bons, se soubermos tirar proveito disso. Mas o foco deve ser sempre bons textos.
Na sua experiência profissional, Escrever bem é prática ou um DOM?
A pessoa pode ter facilidade de por no papel suas ideias, mas ela precisa saber trabalhá-las para lhes dar um caráter literário. Esse caráter pode ser trabalhado sozinho, nas leituras que o indivíduo faz, ou pode vir em sessões de leitura, escrita, reescrita e discussão dos textos. Então, escrever é, acima de tudo, trabalho.
Quando acontece o Escrita Criativa ( período/mês/dia e horário) , requisitos básicos e valor da inscrição?
Há uma disciplina especial no curso de Letras de Escrita Criativa. Então, há um revezamento entre a disciplina e curso para a comunidade. Deve acontecer no primeiro semestre de 2023. Mas pretendemos oferecer oficinas de um dia ainda esse ano, com convidados externos. O valor é variável ao tempo da oficina, ou curso, e geralmente acontecem no período noturno, durante um dia da semana. O requisito é ter interesse em escrever.
Os interessados em obter mais informações sobre o curso podem enviar mensagens para o professor flaviofreire@uel.br .
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