Viviane Tombolato Tavares, 39 anos, arquiteta
Vanessa Cardoso de Melo, 44 anos, teóloga e terapeuta
Novo jeito de viver
“Os anos de 2020 e 2021 ficaram marcados em minha vida, assim como na vida de muitos de nós, como um dos momentos mais difíceis já vivenciados na história humana, acarretando marcas profundas no modo como nos comportamos, como interpretamos a realidade e como nos relacionamos uns com os outros, conosco mesmo e com o mundo que nos cerca. Os desafios desse “novo jeito de viver” são inúmeros: mudanças de comportamento individual, social, laboral e sobretudo: relacional, partem de uma necessidade de nos abrirmos a novos aprendizados, sobretudo ao que, para mim, é o maior deles: o desafio da superação da pandemia de saúde mental.”
Depressão e Burnout
“A depressão já havia encontrado lugar em minha existência há quase vinte anos atrás. Era uma época difícil no que tange aos temas em saúde mental, as pessoas não entendiam como era possível uma mulher tão ativa, cheia de vida, jovem, sempre com um batom vermelho nos lábios e um sorriso aberto a todos, e de repente desmoronar, ficar acamada, sem forças para sequer cumprir com as mínimas atividades de vida diária como tomar um banho. Para muitos ao meu redor, muitos mesmo! Aqui uso um aumentativo para, de fato, deixar registrado o quão difícil ainda é, nos dias de hoje, para as pessoas – de modo geral, entenderem os processos de adoecimento, sintomas e comportamentos de indivíduos que recebem este diagnóstico em saúde mental. Cabe aqui ressaltar que naquela época meu diagnóstico não era apenas de depressão, junto, veio também um prognóstico (uma previsão baseada em fatos ou dados reais e atuais, que pode indicar o provável estágio futuro de um processo) de Burnout, palavra estranha em nosso meio, difícil até de se pronunciar, mas que, em termos médicos é caracterizada pelo esgotamento físico e mental associado ao trabalho. É como se o cérebro (e o resto do corpo) chegasse em um limite e pifasse.”
“Naquela época, a Organização Mundial da Saúde (OMS) não havia decidido que o Burnout deveria ser considerado um fenômeno ocupacional (diretamente relacionado à estafa laboral, ou melhor, à sensação de estar queimado, exaurido e sem condições de cumprir com as rotinas impostas pelo trabalho. A mudança foi oficializada apenas este ano, no dia 1º de janeiro de 2022). Pois sim, na mesma época em que esta mudança ocorria, eu estava literalmente: ressurgindo das cinzas, colando caquinhos e buscando recobrar a minha saúde integral. Voltando lá atrás na minha história, não poderia deixar de relatar uma infinidade de coisas que, ao invés de me tirarem daquela “interminável noite escura da alma”, parafraseando aqui o poema do frade carmelita João da Cruz (um dos maiores poetas quinhentistas espanhóis), foram me colocando ainda pior, em um lugar onde a “descredibilização” da minha subjetividade, o desdém e até a dúvida sobre meu caráter eram, nos bastidores e fora deles, também expostos de modo cruel por muitos, de modo assustador por tantos outros.”
A busca por ressignificar
“Durante de uma crise depressiva, naturalmente faz brotar a busca por um poder sobrenatural, e foi durante esse tempo, onde tive as experiências mais profundas com aquilo que chamo de Deus, de Divina Ruah – o Feminino de Deus encarnado na vida de algumas mulheres que, despretensiosamente e com um amor sobrenatural para comigo, me estenderam a mão, se uniram e formaram uma rede de apoio onde pude experimentar a presença plena daquele que chamo de Útero Fecundo de Tudo que Existe, o Deus Amor de toda a existência humana. “Não poderia deixar de sinalizar uma lista de coisas que grande parte das pessoas com depressão enfrentam diuturnamente, oriundas de outras pessoas: pessoas que se afastam, pois se ficarem perto de você pensam que vão se “contaminar” de “desânimo” e “pessimismo”; aquelas que enfatizam que depressão é fruto do pecado, que você deve ter feito algo errado, por isso está depressivo. E têm aquelas que julgam a depressão como falta do que fazer, e outras que acham que você está fazendo drama para chamar a atenção. Destes quatro enfrentamentos listados, posso dizer que vivenciei todos eles. Pois bem, aquela rede de apoio feminino, o que chamamos hoje de sonoridade, foi sem dúvida uma das únicas coisas boas que de fato me aconteceu durante o processo depressivo. Aquelas mulheres não me julgaram, me acolheram e cuidaram, mesmo sem entender nada do assunto. Foi assim que começou a minha história de ressignificação dessa doença tão cruel, ressurgindo das cinzas através da vida e cuidado dessas mulheres, amigas, irmãs que até hoje convivem comigo. ”
Deus, rede de apoio e o conhecimento científico
“Disse anteriormente que uma das poucas coisas boas que me aconteceu naquele momento foi o apoio destas mulheres, mas há algo mais, recebi injeções de cura através da educação. Experimentei na pele a libertação de angústias profundas e aprendi a “encher meu coração não só da graça de Deus”, como nos fala Botelho, mas também do conhecimento científico, da pesquisa, e do ensino, através de um amigo psiquiatra que me desafiou a me matricular em uma pós-graduação em Saúde Mental da UEL. Essa formação também fez parte do processo de ressignificação da minha existência, ali pude aprender verdadeiramente sobre meu maior algoz: a depressão.”
A obra nasceu. “Intensitas: mulheres e a dimensão sagrada da vida
“Dito isso, volto agora ao nosso contexto de pandemia de saúde mental. Momento que muito me desafiou a sofrer com aqueles que sofrem e salvar com os que salvam (médicos, enfermeiros, pesquisadores, equipe de segurança, ONG e tantas pessoas de boa vontade). Jamais imaginaria que viveria outra vez um quadro depressivo, a ponto de, em tão pouco tempo, me ver prostrada em uma cama, sem vontade de viver. Mas agora, a experiência, pensava eu, seria diferente, afinal, uma mulher de quase meio século de vida, especialista em saúde mental, seria a última pessoa em que a sociedade, família e amigos imaginaria estar nessa situação. Pois sim, gatilhos e mais gatilhos foram despertos, era como se tudo aquilo que vivi há quase vinte anos atrás estivesse de volta, mas dessa vez, encarnado em um corpo físico diferente, de uma mulher que já não tinha o mínimo de vigor como ainda se tinha naquele tempo. A idade chegou, os hormônios mudaram, as responsabilidades se multiplicaram, enfim, a depressão encontrou terreno fértil em um corpo somatizado por dores novas, por novas dificuldades e enfrentamentos sociais. Mas ressignificar a vida já não era uma pauta desconhecida para mim, outra vez mais, aquela rede de apoio de mulheres e a pesquisa/conhecimento foram os dois remédios que colaboraram para que eu ressurgisse das cinzas.”
“Como resultado desse ressignificar, escrevi um livro com a participação de algumas delas: Intensitas: mulheres e a dimensão sagrada da vida. Foi através do apoio dessas mulheres e revisitando histórias de vida das personagens pesquisadas (teólogas e lideranças religiosas), histórias pesquisadas através de alguns projetos de iniciação científica que coordenei de 2017 – 2019, enquanto teóloga, docente pesquisadora, que o processo de melhora em saúde começou. Benditas sejam as mulheres, quanta sacralidade há na vida de uma mulher, o Sagrado que habita em corpo de mulher é salvífico, é transformador, faz com que ressuscitemos para a vida todos os dias! Bendito seja o conhecimento, o ensino e a pesquisa, que nos tiram do lugar da ignorância, já dizia o ditado: a ignorância mata. No meu caso, a ignorância de alguns quase me matou.”
Rosane Lotz, 54 anos, empresária, pintora
“É possível mudar, sim! Nossas conexões cerebrais podem ser mudadas. Creio no poder da nossa mente, na ressignificação, mas creio muito no agir do Espírito Santo de Deus. Ele atende. Ressignificar renovou sonhos, me deu alegria, esperança. Exercite a sua fé. Acredite que ressignificar sempre traz algo positivo, ensina algo bom. A gente sai da nossa “caixinha”. Descobrimos talentos, mudamos a nossa vida para melhor, inclusive, para as pessoas ao nosso redor.”
A fé e a arte unidas
“Há um ano e meio tive um melanoma no couro cabeludo, fiz a cirurgia, mas o câncer voltou nos pulmões e eu comecei com o tratamento do câncer. E foi durante o tratamento que uma amiga me presenteou com uma técnica de pintura Paint by Numbers (pintando com os números). Nessa ocasião eu havia parado com tudo para cuidar de mim. Eu tinha uma empresa de semijóias, tinha minhas atividades, e dei uma pausa em tudo para tratar da minha saúde. E como essa amiga viu que eu estava muito sozinha, longe das minhas amizades, (nessa época estava residindo em Dallas), ela me incentivou a começar. E por fim, uma tela que eu achava que demoraria meses para pintar, eu pintei em quatro dias. E aí fui pintando mais telas. Enquanto eu pintava aqueles números, quadradinhos, eu imaginava que Deus estava curando as minhas células e também vinham nomes na minha mente por quem eu orava. Até hoje eu me recordo daquele momento muito especial: Deus me curando e eu colorindo.”
O processo da esperança renovada
“As cores foram muito importantes nesse processo porque me davam esperança. Eu creio que foi mesmo um presente de Deus porque eu nunca havia pensado um dia em pintar. E aquilo me deu alegria. E no processo do tratamento eu pude me desconectar e enxergar a vida de forma colorida. Deus me mostrou algo que eu ainda não conhecia, mas que me faria feliz naquele deserto. Tenho 54 anos e descobri antes do câncer que nunca é tarde para começar uma nova jornada. Eu tenho uma experiência de tocar piano. Eu sempre achava que seria tarde para aprender, mas acabei comprando um teclado, e mesmo sem professor, porque logo em seguida veio a pandemia, Deus me proporcionou a chance de tocar de ouvido. Minha história é feita de milagres.”
Saia da zona de conforto
“Para as pessoas que têm vontade de dar um novo significado à vida eu insisto: não é porque você foi de um jeito a vida toda, que você deve permanecer nesse estado. Busque uma ajuda com terapia, concentre-se em pensamentos positivos, abra os olhos para a esperança, crie algo inusitado, faça acontecer, concretize sonhos, creia no impossível. É possível mudar, sim! Nossas conexões cerebrais podem ser mudadas. Creio no poder da nossa mente, na ressignificação, mas creio muito no agir do Espírito Santo de Deus. Ele atende. Ressignificar renovou sonhos, me deu alegria, esperança. Exercite a sua fé. Acredite que ressignificar sempre traz algo positivo, ensina algo bom. A gente sai da nossa “caixinha”. Descobrimos talentos, mudamos a nossa vida para melhor, inclusive, para as pessoas ao nosso redor. Ressignificar acrescenta, soma! Às vezes é doído sair da zona de conforto, mas é louvável essa coragem, é gratificante essa ousadia. Certamente vamos colher algo bom. ”
Art by his grace
Antes de enfrentar o câncer e pintar, Rosane e sua irmã Raquel trabalharam com semijóias e desenvolveram a linha “Espalhando a Palavra”. Para elas, uma forma de evangelização. E hoje, na pintura, ela expressa sua fé nas telas. ” Quando uma pessoa adquire um quadro meu, desejo que ela entenda que foi um presente de Deus e que me trouxe tanta esperança em dias difíceis. Desejo abrir minha empresa para poder comercializar minhas telas e o nome que defini será” Art by his grace” (Arte pela sua graça). Porque pintar e desenvolver esse talento sem nunca ter usado um pincel, foi pela graça de Deus. Sempre declaro que foi pela fé que tive a minha cura e hoje estou em remissão do câncer. Por isso tudo o que faço é para glorificar o nome Dele.”
Roberta Peixoto diz
Meu Deus cada história linda! Quanta resiliência! Ler essa matéria nos enche de fé e esperança! Lindo! Parabéns a todas! Deus abençoe!!!🥰