“Lá” é o álbum de estreia da cantora mineira Maíra Manga, composto, arranjado e produzido para ela por Sérgio Santos, que já esta nas plataformas digitais, pela gravadora Biscoito Fino.
Ouça o álbum: https://orcd.co/
Por Hugo Sukman
Convém antes definir onde é “Lá”. Ou mesmo o que seja “Lá”.
Essas duas letrinhas, quando juntas em português normalmente formam um advérbio que indica algum lugar que não é aqui, mas que é próximo ou conhecido o suficiente para que daqui se veja. Pois esse aí é “Lá”, o álbum de estreia da cantora mineira Maíra Manga, composto, arranjado e produzido para ela por Sérgio Santos: “Lá” é um Brasil que conhecemos bem, mas que aparentemente não está mais por aqui. É lá. Se aqui é um Brasil feio, triste, “Lá” é o Brasil bonito e potente das canções, das águas, das matas, dos bichos e da gente.
É o Brasil da “Amazônia-mãe” (“A vida vem dos rios/A natureza toda vem das águas”), o Brasil “de antes do branco”, dos índios simbolizados em “Raoni”, da pássara “Saíra” que é metáfora para cantora que voa quando canta (“Eu sei voar qual saíra/Saíra, assim vou cantar”), das claras manhãs brasileiras de “O dia” (“São finos véus de luz/Descosturando os céus azuis”); das águas que nascem no manancial quando “água de mina jorra” para formar o “Rio verde”, “o chão e o céu das Gerais”, a Minas Gerais da cantora e do compositor.
Mas “Lá” é também a canção de Sérgio Santos que abre o disco e aí o título ganha outro sentido, desta vez ao mesmo tempo real e metafórico: “Onde tudo é feito pra se sonhar/Quem sabe o nosso amor viva por lá?”, pergunta a canção. Para um pouco depois responder: “Quando eu piscar meus olhos/Pra te imaginar/Então o amor é lá”. “Lá”, então, é o amor: o amor de um compositor e arranjador por uma cantora, da cantora por este compositor; de ambos pela tradição da canção brasileira e por criar novas e atualíssimas canções, e de amor pelo Brasil como terra, como água, como bicho, como gente, mas também como ideia que vai inspirar canções, num ciclo sem fim que conhecemos como música brasileira.
“Lá” é um disco “camerístico”. O que, na tradição da música brasileira, nos remonta a “Canção do amor demais”, o paradigmático álbum de Elizeth Cardoso com as canções de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, lançado em 1958. Ou seja, um conjunto de canções novas, autorais – aqui, no caso, 12 canções novíssimas de Sérgio Santos, quatro só dele, oito com Paulo César Pinheiro, seu mais constante parceiro – elaboradas o suficiente para serem comparadas a peças eruditas, mas ao mesmo tempo cantadas e tocadas de forma tão natural que não perdem o status de música popular. Vem daquela linhagem de Villa-Lobos que foi desaguar em Jobim, gerar Edu Lobo e Dori Caymmi e chegar aqui, ou melhor, “lá” na obra de Sergio Santos agora em plena maturidade depois de sete discos e pleno de sua música como cantor, violonista, compositor e arranjador. E na linha de cantoras como Elizeth, precisas e expressivas, generosas com as canções, na linha que vai de Elis a Monica Salmaso, até chegar em Maíra Manga.
Outra característica “camerística” de “Lá” é a sua formação instrumental, densa mas pequena, poucos instrumentos – no caso o violão do próprio Sérgio Santos, o piano e o acordeom de Rafael Martini, o clarinete de Luca Raele e o violoncelo e as percussões de Felipe José – que tocam como um conjunto acompanhante, mas com cada instrumento mantendo sua função e seu destaque individual, como se fossem solistas, bem na tradição da música de câmara. Em quatro das canções, uma completa seção de cordas, arranjada por Sergio Santos e gravada pela já célebre orquestra de estúdio de São Petersburgo, na Rússia, adensa ainda mais os arranjos.
Não por acaso, até as participações especiais do disco mantêm essa característica camerística. Em “Margem derradeira”, o conjunto curitibano Vocal Brasileirão aparece ora como um solista a mais, ora incorporando a voz de Maíra Manga ao arranjo vocal escrito por seu maestro Vicente Ribeiro – não fosse o Vocal Brasileirão justamente uma orquestra de vozes solistas. Na mesma faixa, o contrabaixo de Rodolfo Stroeter também se integra ao conjunto, tocando solto, como um solista.
Na única faixa em que o conjunto de câmera não está presente, samba-canção “Romances”, Maíra Manga faz um duo com o piano de André Mehmari, que por natureza toca dessa forma proposta pelo disco: acompanhando mas solando, numa polirritmia e numa profusão de ideias musicais que fazem, do piano, ele próprio um conjunto “camerístico”.
“Romances”, aliás, uma obra-prima digna da dupla Sérgio Santos e Paulo César Pinheiro compõe, no meio de “Lá”, um díptico com outra linda canção de amor, “Um outro olhar”, ambas narrando a chegada de um novo amor – tema que está por trás do disco, de todas as canções – como uma pausa entre as canções exuberantes sobre o Brasil.
Como tantos discos da contemporânea canção brasileira, “Lá” foi gravado literalmente com o Brasil que descreve em torno, na Gargolândia, o estúdio mantido pelo também compositor Rafael Altério no interior de São Paulo, dentro de uma fazenda.
Mas tudo isso – 12 novas e lindas canções sobre o Brasil, sobre o amor; orquestra e conjunto de câmera; o estúdio e a gravadora Biscoito Fino, tudo de excelência – está aqui reunido na verdade para o lançamento de uma nova cantora. Mesmo muito jovem, Maíra Manga tem estrada de shows, sólida formação musical e um timbre personalíssimo: “algodão e paina”, “suave e doce”, como define Paulo César Pinheiro no texto de apresentação; “um canto cristalino e transparente de pássaro livre”, como atesta Rosa Passos, matando a charada do canto de Maíra, que “passeia de mãos dadas com as canções”, um canto virtuosístico mas que se coloca inteiramente a serviço das canções.
Repertório de “Lá”
LÁ – Sergio Santos
02.AMAZÔNIA-MÃE – Sergio Santos / Paulo Cesar Pinheiro
03.DIZ PRA MIM – Sergio Santos
04.RIBEIRÃO DE CORREDEIRA – Sergio Santos / Paulo César Pinheiro
05.RAONI – Sergio Santos
06.O CAÇADOR – Sergio Santos / Paulo César Pinheiro
07.SAÍRA – Sergio Santos
08.O DIA – Sergio Santos / Paulo César Pinheiro
09.ROMANCES – Sergio Santos / Paulo César Pinheiro
Participação Especial: André Mehmari (Piano)
10.UM OUTRO OLHAR – Sergio Santos / Paulo Cesar Pinheiro
11.MARGEM DERRADEIRA – Sergio Santos / Paulo César Pinheiro Participação Especial: Rodolfo Stroeter e Vocal Brasileirão
12.RIO VERDE – Sergio Santos / Paulo Cesar Pinheiro.
Texto e fotos: Assessoria
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