A taxa de jovens que tiraram a própria vida entre 2011 e 2022 cresceu 6%, conforme um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).Ainda considerado tabu, o tema exige uma comunicação clara e respeitosa . Recentemente um jovem da periferia de São Paulo tirou a própria vida, após sofrer bullyng dos colegas do Colégio Bandeirantes,onde estudava
Tema que exige sensibilidade e cuidado, a saúde mental dos jovens ainda é tratada como tabu em muitas realidades. No entanto, é fundamental abordar o assunto, com atenção e informações precisas, especialmente no contexto brasileiro, onde a taxa de jovens que tiraram a própria vida entre 2011 e 2022 cresceu 6%, conforme um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
A educadora parental e especialista em relacionamento pais e filhos, Stella Azulay, destaca a importância de discutir o assunto com os filhos, levando em conta a compreensão adequada para cada idade. “É importante que saibamos gerir nossas emoções e desenvolver nossa sabedoria emocional e intelectual, pois nossos filhos ainda não possuem essas habilidades. Precisamos, inclusive, lidar com nossas próprias inseguranças.”
Diante disso, embora muitos pais pensem que estão protegendo seus filhos ao evitar o assunto, uma abordagem eficaz é iniciar uma conversa sobre o tema. “Às vezes, percebemos sinais, mas preferimos ignorá-los por medo de enfrentar a situação”, destaca. “A primeira coisa que devemos fazer é sermos sinceros conosco mesmos e não temer o que está por vir, especialmente porque há profissionais qualificados que podem ajudar nesse processo.”
Percepção de sinais
O educador parental é um profissional especializado em ajudar pais e responsáveis a melhorar suas habilidades de educação e comunicação com os filhos, contribuindo para uma comunicação mais clara e organizada. “Às vezes, percebemos que algo está diferente, mesmo que não saibamos exatamente o que é. Como pais, sentimos que algo não está certo. Quando começamos a fazer perguntas ao filho, as respostas podem, muitas vezes, aumentar a ansiedade em vez de trazer alívio”, comenta Stella, ressaltando a importância do profissional em muitos casos.
Depois de identificar os sinais, o próximo passo é abordar a situação de maneira eficaz. A conversa deve ser conduzida de forma gradual e buscar uma compreensão completa. Além disso, é melhor evitar conversas em momentos de tensão ou ao encontrar o filho fazendo algo escondido, pois isso pode dificultar a comunicação.
“É preciso abordar a situação sem criar medo ou vergonha, pois muitas vezes a criança ou o adolescente pode ter algo em mente, mas sente vergonha de compartilhar. Portanto, é importante ser flexível, sem abrir mão dos valores essenciais. Algumas regras da casa podem ser adaptadas, enquanto outras devem permanecer firmes. Educar um filho não é uma tarefa estática. Se os pais não souberem lidar com essas mudanças e não conseguirem se comunicar efetivamente, é provável que a relação se torne silenciosa”, completa.
Stella também destaca o impacto negativo dos chamados “pais avestruz”, que preferem ignorar ou evitar enfrentar problemas e desafios na vida dos filhos, agindo como se estivesse enterrando a cabeça na areia. Em vez de lidar com essas questões, esses pais optam por não se envolver, esperando que os problemas se resolvam sozinhos.
Pautada pela Lei da Parentalidade Positiva, sancionada em março de 2024 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a especialista reforça que é muito mais eficaz ouvir, compreender e ajudar a criança e o adolescente com seus conflitos internos, mantendo sempre o respeito.
Sobre Stella Azulay
Stella Azulay é Educadora Parental, especialista em relacionamento pais e filhos, com foco em comunicação e ansiedade parental.TEDx Speaker, Escritora Best Seller do livro ‘Como educar se não sei me comunicar’, mãe de 4 e madrasta de 2. Formada em Jornalismo pela Casper Líbero, Neurociência Comportamental pela Faculdade Belas Artes, e Educadora Parental pela Discipline Positive Association.
*Texto:divulgação
Tragédia antes da aula
A morte de um aluno bolsista do Colégio Bandeirantes que não estava sofrendo em silêncio
*** Trecho da reportagem publicada na REVISTA PIAUI 21/08/2024
“Na segunda-feira, dia 12, o jovem Pedro Henrique Oliveira dos Santos, de 14 anos, acordou às 7 horas, como fazia todos os dias. Tomou banho escutando Gal Costa e Rita Lee, duas de suas cantoras favoritas. Deixou o banheiro cheio de vapor, se trocou e hidratou os cabelos cacheados, o seu maior xodó. Bebeu uma xícara de café preto, tomou um iogurte e comeu pão com manteiga. Saiu do apartamento localizado em um conjunto habitacional no bairro Vila dos Remédios, em Osasco, e foi até o ponto onde tomava diariamente o ônibus da linha 917H para ir ao Colégio Bandeirantes, na Vila Mariana, na capital paulista.
O trajeto entre sua casa e o colégio dura cerca de uma hora. A aula começava às 13 horas, mas muitas vezes o adolescente chegava mais cedo para estudar na biblioteca. Como de costume, cumpriu o pedido de sua mãe de informar pari passu seu trajeto. Às 9h27, Santos mandou uma mensagem de WhatsApp dizendo ter acabado de entrar no ônibus. Àquela altura, sua mãe já estava a caminho do seu emprego, uma escola municipal da Zona Oeste, onde trabalha como auxiliar de limpeza. Era um dia normal na vida da família.
Ao receber o telefonema da mãe, o irmão mais velho, de 21 anos, imediatamente acessou o localizador do aparelho celular de Santos, usando o e-mail do Google, e viu que ele estava na Zona Oeste, em um local situado entre a casa e a escola. O irmão, que estava no apartamento dos pais trabalhando em home office, pediu um Uber para ir a dois endereços: primeiro, ao serviço de sua mãe e, em seguida, àquele onde Santos poderia estar. Os dois ligaram inúmeras vezes para o celular do adolescente. O telefone chamava, mas ninguém atendia. Quando chegaram ao local, por volta das 12h30, souberam que ele havia consumado o suicídio.
Pedro Henrique dos Santos era o filho do meio de uma auxiliar de limpeza e um auxiliar de almoxarifado. Sempre foi estudioso e apaixonado por leitura, e decidiu seguir os passos de seu irmão mais velho, que estudou como bolsista no Colégio Marista Glória, no bairro do Cambuci, por meio de um programa do Instituto Social para Motivar, Apoiar e Reconhecer Talentos (Ismart). Fundado em 1999 pelo empresário Marcel Telles (sócio de Jorge Paulo Lemann e Beto Sicupira na 3G Capital, controladora de empresas como a Ambev e as Lojas Americanas), o Ismart concede bolsas de estudos para alunos pobres em colégios de ponta em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
Santos passou no rigoroso processo seletivo feito em seis etapas, que inclui duas provas e entrevista, e foi contemplado com bolsa integral no Colégio Bandeirantes, cuja mensalidade gira em torno de 4,5 mil reais. “Quando o meu irmão foi aprovado, ele me ligou chorando de alegria. Ficamos orgulhosos e achando que o futuro dele estava garantido”, conta o primogênito, que cursou Economia na Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus, e hoje trabalha em uma startup da área de educação e tecnologia.
Santos ficou encantado com o Bandeirantes e seu material pedagógico de alto nível, uma alegria para quem era apaixonado por estudar e tinha bom desempenho. Mas o horizonte se tornou turvo com o tempo. Negro, periférico e abertamente gay, Santos fez poucos amigos na escola ao longo do ano e meio em que ficou por lá. Andava mais com colegas que também tinham bolsa, quase sempre meninas. Era constantemente ignorado e motivo de risadas dentro e fora da sala de aula. Neste ano, passou a ser alvo de piadas pelo tom de sua voz.
Nos últimos meses, as coisas pioraram e os sinais apareceram. As suas notas caíram. O garoto não queria acordar para ir ao colégio. Chegou a pedir para faltar, algo inédito. Entre os dias 22 e 24 de maio deste ano, se queixou para a mãe que sofria bullying. Em trocas de mensagens por WhatsApp, narrou o seu martírio dentro da escola. Seguem algumas mensagens enviadas durante esse período: “Fizeram chacota de mim por eu ser gay”; “No prédio do elevador, o menino me deu um empurrão e gritou no meu ouvido”; “Fiquei de cabeça baixa por muito tempo. Não vim para o Band para ficar escutando bosta de branquelo azedo metido a besta sobre minhas coisas e o que eu sou. Eles vão pagar. Não estou brincando.”
“A verdade é que temos origem humilde e a minha mãe sabe que apenas com uma educação podemos ascender. Ela tinha medo de meu irmão perder a bolsa”, conta o seu irmão mais velho. Mesmo assim, Santos, sufocado com as agressões, combinou com a sua mãe de levar o caso à coordenação do Ismart. Mariana Rego Monteiro, diretora-executiva do instituto, confirma que o aluno recorreu à entidade e contou o caso de bullying. “O Pedro [Santos] passou em consulta com essa clínica [de psicologia], custeada por nós”, diz ela. “Existe uma escuta muito constante. Temos muita preocupação com o bem-estar dos jovens.” A Ismart, que ao longo de 25 anos recebeu 165 mil inscrições de alunos em busca de bolsa e atendeu 3 mil jovens de baixa renda, oferece psicólogos e mentorias de ex-bolsistas para dar amparo e suporte aos alunos contemplados.
Santos relatou à mãe que um praticante de bullying tomou alguma suspensão. O Ismart e o Bandeirantes não confirmaram essa informação – o primeiro alegou respeito ao sigilo sobre os envolvidos e o segundo não comentou nada.
“Muito provavelmente por medo de preocupar e desapontar meus pais, que sonham com uma boa educação, meu irmão não reclamou mais. Até ele não suportar a dor”, contou o irmão mais velho. Mas os casos de bullying não cessaram, e Santos não falou mais no assunto. Um dia antes do suicídio, ele tentou tirar sua vida, mas foi impedido a tempo pelo irmão.
Leia a reportagem completa na revista Piaui.
https://piaui.folha.uol.com.br/suicidio-aluno-colegio-bandeirantes/
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